segunda-feira, julho 10, 2006

Sobre Budapeste



O cigarro é acesso e imediatamente trocado por outro, e por outro, e por outro...; compulsão; delírio; inquietude; o malandro está na praça outra vez, de luto; sem fantasia; sem homenagem; sem identidade; momento em que o presente é sempre infinito; que a fatalidade é trágica; bastidores da cegueira; epilepsia do cotidiano; estorvo; curto-circuito; samba sincopado de Noel; vitrines de Copacabana; valsinha de repente que se sente na palavra, se sente no grito, se sente no verbo, se sente em você, se sente no outro até o começo; que começa no mesmo lugar onde termina; labirinto imaginário; alegoria de um tempo marcado na palma da mão; tatuagem do cotidiano.
Vejo as palavras de Chico com os olhos nos olhos daqueles que não enxergam nada, apenas sentem o delírio de um poeta que rabisca o vulto de uma sociedade prostituída, drogada pelo excesso; pela overdose de palavras que se perdem; palavras sempre em transe; metáfora de um mundo obeso e desequilibrado, sempre atrás da porta esperando a banda passar; apocalipse do verbo; diagnóstico de um espelho que há muito se quebrou; e cada pedaço de vidro imediatamente se reconstrói num mosaico de identidades que se tornam completamente descartáveis; que dizer, o referencial semiológico de identificação do eu enquanto sujeito, elemento que compõe a narrativa, é sempre evasivo (refiro-me ao protagonista); está sempre em deslocamento. José Costa é formado por cada pedaço deste espelho, agora quebrado e reorganizado, pela incompatibilidade das partes em blocos de texto, uns maiores, outros menores; todos embaralhados em uma narrativa que fere a linearidade e até mesmo a lógica mas consegue, pela imaginação e a inventividade de Chico, reproduzir Budapeste como grande metáfora do sujeito na sociedade contemporânea; ou seja, um sujeito afetado por vários sujeitos, que se juntam e ao mesmo tempo se separam, sempre freneticamente; mas que não conseguem, no entanto, reconstruir o ego (um tipo de identidade primária); como vemos na lógica do escritor-fantasma; necessidade mortal de um outro hospedeiro; timidez de uma identidade sempre escondida, não revelada; ocultada pelo desafio que se estabelece no jogo de palavras até o final do livro; vazio clichê; semente tupiniquim de James Joyce; navio fantasma; fase azul de Picasso.
Vai passar!

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