segunda-feira, julho 10, 2006

O Processo de Comunicação da Propaganda








“A publicidade não vende produtos nem idéias, mas um modelo falsificado e hipnótico da felicidade”.

OLIVIERO TOSCANI








Resumo:

Este trabalho não tem a pretensão de apresentar uma vasta e complexa abordagem da propaganda, porém pretende demonstrar, mesmo que resumidamente, a aplicação de alguns conceitos que determinam a sua finalidade, e mais do que isso, na nossa própria vida que cotidianamente se dá na ação dos signos.








Apresentação

O trabalho propõe um ensaio sobre o processo de comunicação da propaganda a partir dos capítulos 1 e 2 do livro “A publicidade é um cadáver que nos sorri” de Oliviero Toscani. Uma reflexão que vai muito além da realidade a qual enfrentamos no dia-a-dia, e que se faz a partir da exploração de alguns elementos que obedecem a uma concepção imaginária.
Marcados pelas desigualdades sociais, políticas, econômicas, somos constantemente transportados para uma miragem elitista, jovem, erótica. Um mundo publicitário que nos individualiza através de seus “produtos mágicos” num “jogo” em que se podem colorir a dor e simular aquilo que não temos e que não somos . A nossa felicidade é idealizada, medida e reproduzida a partir do que consumimos, se tornando neurótica, porque completamente deslocada.
Celebramos a vida e ignoramos a morte em um mundo desconhecido, distante, utópico que se manifesta através de imagens, do hedonismo e de fantasias simbólicas que desaparecem pelo mesmo processo hipnótico de representação1. Ao invés de produtos, compramos “estilos de vida”, “sensações”, “emoções” que vão além da lógica e que ultrapassam os limites da ética.
Tudo é perecível real ou virtualmente. A imagem que acreditamos nos completar, se apresenta de forma mercantil, refletindo e afirmando o que não somos verdadeiramente. Obedecemos a uma hierarquia social, etnocêntrica que se manifesta através de simulacros no espelho do consumo. Nossos olhos se tornam escravos das etiquetas, marcas, anúncios e outros elementos classificatórios criados pela propaganda.
Com esse argumento pretendemos não só uma análise além do senso comum mas uma leitura crítica sobre a produção publicitária – como ela se articula no discurso, na imagem e no desejo – que nos leve a pensar sobre o código valores que são agregados aos produtos.

- No Discurso: Manipulação e subjetividade

Propaganda vem de propagação; multiplicação; reprodução; proliferação. No dicionário, é aquilo de propaga princípios, idéias, conhecimentos ou teorias.
Conjugando emoções e valores, o discurso publicitário se coloca como um sistema de representação de maneira arbitrária e autônoma. Seu estudo lingüístico nos leva a perceber uma humanização de significados que se manifestam tornando a produção como algo consumível. Para isso é construído um código, um sistema simbólico que complete o produto, lhe dando sentido sob forma de usos, razão, desejos, necessidades... . Nossa relação com o mundo se coloca através de uma perspectiva vitoriosa, triunfante do ser, sustentada por signos que ritualizam o sucesso, a prosperidade e a beleza. O que consumimos na verdade, são idéias construídas que se manifestam através da produção simbólica dos anúncios. Segundo Toscani:


“É preciso seduzir o grande público com um modelo de existência cujo padrão exige uma renovação constante no guarda-roupa, dos móveis, televisão, carro, eletrodomésticos, brinquedos das crianças, todos os objetos do dia-a-dia. Mesmo que não sejam verdadeiramente úteis.” 2


A linguagem utilizada pela propaganda reafirma certos valores, idéias, que nos transportam para um “mundo ideal”. Nossa identidade é representada de uma forma ambígua, carnavalesca através de um discurso subjetivo, reforçado permanentemente pela idéia de que a nossa “felicidade maior” não sobreviverá sem o consumo .
Cada elemento (juventude, status, beleza, sexo...), é representado simbolicamente de maneira arbitrária, figurativa, manipulando e distorcendo a realidade. É o lugar das figuras de linguagem, do pensamento fantástico e da deformação funcional e repetitiva dos signos. Tudo pode ser representado em forma de paródia, evocativa e “mágica”.
Esses elementos alegóricos manifestam-se intertextualmente. Cada símbolo se remete a outro na construção figurada de um discurso verossímil e extremamente eficaz quanto a sua funcionalidade e interação. A frase - “Globo, a gente se vê por aqui” - exibida pela emissora “sem nenhuma pretensão negativa aparente”, nos remete a uma série de interpretações. Uma delas é o estado de identificação social provocado pelo espelho eletrônico.
A semasiologia3 nos permite entender como cada signo - violado por outros - perde sua “significação completa”. O sexo - citado como exemplo - e sua relação com o conjunto de fenômenos da vida sexual (a sexualidade) são transferidos para um contexto mercantil onde quase tudo é erotizado. Nossa experiência gozosa se direciona para uma prática pseudoprazerosa, uma violação dos sentidos onde o único caminho possível é o desejo.
Os signos portanto, se manifestam através de arquétipos em alta definição, reafirmando valores que, reforçados ideologicamente, obedecem à classe dominante. Nossa vida psíquica é sempre invadida, programada por estratégias argumentativas, que nos levem a aquisição de “algo que nos complete de verdade”. A regra básica da propaganda é promover uma circulação frenética, obsessiva de produtos, nos motivando a uma “singularidade única” .
Repetida de maneira exaustiva, a dialética publicitária se sustenta na utopia de um mundo ideal, narcisista, cujo espelho da fantasia sempre nos trai pelo fascínio da imagem refletida ou pelo discurso ufanista sem qualquer utilidade social. A eficácia se dá, portanto, através de códigos invisíveis e abstratos que nos seduzem cotidianamente por uma retórica consumista.


- Na imagem: Performance virtual do corpo e estímulos subliminares

O relato imagético da propaganda se sustenta em uma perspectiva mitológica - porém, suas “divindades”, nada têm a contribuir com a arte, a literatura e à erudição; Ao mesmo tempo em que exalta as capacidades humanas, ele frustra as expectativas de quem é atraído por uma narrativa simplista e seus modelos de identificação. Isso ocorre, diz Everardo, quando:

“Ao nível mítico, os homens se aproximam dos animais. Falam, convivem e casam com eles. Todos podem estar tanto no céu quanto na terra, no alto ou nas profundezas, voando ou renascendo. Enfim, realizando proezas mágicas com absoluta simplicidade. Os animais falam e os produtos são aliados resolvendo impasses e contradições. Lá não entram a solidão, a exploração entre os homens, a doença, as minorias oprimidas. O anúncio é onde tudo se resolve.”4

Dentro deste universo, onde as idéias estão implícitas e as figuras carregadas de subjetividade, a imagem do homem e sua contemplação no imaginário do espelho (alusão ao Mito de Narciso), também são deslocadas. O anseio por um equilíbrio orgânico e estético se transforma em um modelo publicitário puramente figurativo. O corpo então se representa como “um material”, algo efêmero, cambiável e que ao mesmo tempo satisfaça as expectativas do mercado. Como observa Baudrillard:


“Cada um procura seu visual. Como já não é possível achar argumento na sua própria existência, só resta fazer ato de aparência sem preocupação de ser olhado. Não se trata de “existo,estou aqui”, mas de: “sou visível, sou imagem” – visual, visual! Já nem é narcisismo, é extraversão sem profundidade, um tipo de ingenuidade publicitária em que cada um se torna empresário da própria aparência”.5



Condicionados a esse estado de modelação e performance virtual do corpo, somos “bombardeados” por uma série de estímulos visuais endereçados ao nosso inconsciente. Tais mensagens, chamadas subliminares, são manipuladas e “camufladas” em fotos, filmes, músicas,... aparecendo em todos os lugares possíveis da imagem sem desconstruí-la. O uso de cores quentes (vermelho e o amarelo para produtos alimentícios); e de cores frias (o azul e o branco para produtos de higiene) são apenas alguns recursos primários.
Sempre utilizando princípios de natureza psicológica, as propagandas subliminares preparam a imagem de seus produtos com objetivo de potencializar seus efeitos. A mensagem (texto e/ou imagem) é direcionada quase sempre em duplo sentido, enriquecendo o significado virtualmente em qualquer estímulo simbólico.

Tomaremos como exemplo um dos artifícios mais utilizados: A sexualidade.
Os apelos eróticos se apresentam como um dos instrumentos de persuasão subliminar mais eficazes. Órgãos genitais masculinos e/ou femininos ou partes do corpo humano são utilizados freqüentemente. O objetivo é de criar uma predisposição sempre favorável que nos leve a adotar determinada prática (não exatamente a aquisição de algum produto e/ou serviço).
Crianças se tornam alvos extremamente vulneráveis em filmes e seriados recheados de apelos sexuais. No desenho “A pequena Sereia” de Walt Disney, logo no cartaz de divulgação do filme, podemos observar que uma das colunas que sustentam o palácio aparece na forma de um pênis (ilustração na página seguinte). Tal mensagem “afrodisíaca”, só estimula a erotização precoce de crianças através de elementos de reconstituição dramática e efeitos de montagem.
Uma questão interessante sobre as mensagens subliminares é o seu aspecto jurídico. A legislação vigente no Brasil - ao contrário de países como Estados Unidos, Itália e Japão -, não aborda a utilização de mensagens subliminares, portanto não existem meios concretos de punir aqueles utilizam as mensagens com fins comerciais, políticos ou ideológicos. Infelizmente.


- No Desejo: A Sedução
Para a psicanálise, quando mencionamos a palavra desejo, apontamos imediatamente para um objeto. É bem verdade que o desejo (enquanto pulsão) sempre se manifesta na forma de um objeto (causa do desejo). Porém, o objeto desejado não é o desejo. Ele é objeto. Tal como desejo é desejo. Um é da ordem tangível (a coisa em si), o outro da ordem intangível (efeito imaginário) respectivamente. Desejo é algo que se constrói justamente na relação imaginária que temos com aquilo que falta.
Fora da psicanálise, apontamos para outro processo que se opõe à teoria lacaniana: A sedução. Baudrillard nos diz que:
“Para a sedução o desejo é um mito. Se o desejo é vontade de potência e de posse, a sedução assume diante dele uma vontade de potência igual por simulacro, e é pela rede das aparências que ela suscita essa hipotética potência do desejo e o exorciza.”6

Entramos então no jogo das aparências, da reversibilidade dos signos (pela aparição e desaparecimento). O corpo é trabalhado não mais como desejo, mas como artifício. O sentido é afastado de sua verdade. Tudo pode ser manipulado, deslocado para além de nossa consciência e de nosso imaginário. Segundo Baudrillard :

“A estratégia da sedução é a do engano. Assim, ela espreita todas as coisas que tendem a se confundir com sua própria realidade. Existem aí recursos de um fabuloso poder. Pois, se a produção sabe apenas produzir objetos, signos reais, deles obtendo algum poder, a sedução produz apenas engano e dele obtém todos os poderes, dentre os quais o de remeter a produção e a realidade ao seu engano fundamental”. 7


Sedução portanto é algo que se apodera de todos os prazeres, de todos os afetos e representações, dos próprios sonhos para convertê-los em algo diferente de seu desenrolar primário; Para depois nos conduzir justamente à inexorabilidade de um processo ritual, cobrindo o corpo de armadilhas, de aparências e de enganos. Tal processo, segundo Baudrillard, ocorre:


“Quando as coisas, os signos, as ações são libertadas de sua idéia de seu conceito, de sua essência, de seu valor, de sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então uma auto-reprodução do infinito. As coisas continuam a funcionar ao passo que a idéia delas já desapareceu há muito. Continuam a funcionar numa indiferença total a seu próprio conteúdo. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda”. 8

Esse estado de contaminação e de metástase dos signos – mencionado por Baudrillard – nos revela um ir além sem sair do lugar; Onde tudo se move radicalmente ao passo de que nada acontece. Tudo é representação, encenação. Ficamos presos a um sistema de significações que nos condiciona a buscar satisfações simbólicas que propriamente funcionais.
Nem mesmo a propaganda – que se articula justamente na sedução – escapou do “desvio de sua matriz”, subvertendo justamente os princípios de realidade e racionalidade; Ela também se tornou esquecida e portanto mais forte. Seus signos se dispersam junto com outros na finalidade máxima de se ocultar e reproduzir indefinidamente. “(...) o valor irradia em todas as direções, em todos os interstícios, sem referência ao que quer que seja, por pura contigüidade” (Baudrillard, 1990: 11).
A Publicidade, portanto, proclama sua própria redenção fora da realidade por meio de seus objetos; Ela ressurge mais forte pelo próprio hiper-realismo de seus anúncios. Sua sedução é a da utopia de um “mundo perfeito”.




Conclusão
O que nós podemos inferir do que foi dito até o momento? Longe de buscar conclusões apressadas, mas com um olhar crítico sobre o processo de comunicação da propaganda, percebemos como essa prática transforma opiniões e atitudes (liminar ou subliminarmente), promovendo ao mesmo tempo uma visão ingênua e “encantada da realidade”. Sua mensagem sempre utilizará palavras com a carga cultural que possuem na comunidade em que será veiculada, tentando não contrariar o estabelecido, para que possa ser entendida e aceita. Ou seja, vai utilizar os modelos globais de conhecimento e basear neles suas mensagens, para que a intercomunicação se faça com rapidez, clareza e persuasão.
Diante disso, a análise dos significados assumidos pela propaganda é de fundamental necessidade. Para que ela funcione é preciso a utilização de processos educacionais adequados, já que requer competências que não nascem com o indivíduo. Assim, caracteriza-se como oportuna à sistematização de suportes teóricos e proposições metodológicas alternativas, ampliando de forma sistemática as discussões sobre a finalidade da propaganda e seu exercício de classificação.





Notas
1 Sobre isso ver: Jean Baudrillard, A Transparência do Mal : Ensaio sobre os fenômenos extremos; Tradução de Estela dos Santos Abreu. Campinas, SP : Papirus, 1990, p.10.

2 Toscani, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri; Tradução de Luiz Cavalcanti de M. Guerra. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p.27.

3 “Estudo da. Linguagem. O estudo das relações entre sinais e símbolos, e daquilo que eles representam. [Sinônimos.: semântica, sematologia, semiótica.]”. Aurélio, 2000.

4 Rocha, Everardo P. G da. Magia e Capitalismo: Um estudo antropológico da publicidade, 1995. Disponível em www. geocities.yahoo.com.br/gregorygrimaud/MagCap.htm. Acesso em 01/07/03.

5 Baudrillard, Jean. A Transparência do Mal : Ensaio sobre os fenômenos extremos; Tradução de Estela dos Santos Abreu. Campinas, SP : Papirus, 1990, p.30.

6 Baudrillard, Jean. Da Sedução; Tradução de Tânia Pellegrini. Campinas, SP: Papirus, 1991, p.80

7 Idem, p.99.

8 Baudrillard, Jean. A Transparência do Mal : Ensaio sobre os fenômenos extremos; Tradução de Estela dos Santos Abreu. Campinas, SP : Papirus, 1990, p. 12.






Bibliografia

TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri; tradução de Luiz Cavalcanti de M. Guerra. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p.27.
AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI; versão 3.0. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1999.
ROCHA, Everardo P. G da. Magia e Capitalismo: Um estudo antropológico da publicidade, 1995. Disponível em:
www.geocities.yahoo.com.br/gregorygrimaud/MagCap.htm. Acesso em 01/07/03.
BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal : Ensaio sobre os fenômenos extremos; Tradução de Estela dos Santos Abreu. Campinas, SP : Papirus, 1990, pp.10-30.
BAUDRILLARD, Jean. Da Sedução; Tradução de Tânia Pellegrini. Campinas, SP: Papirus, 1991, p.80-99













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